Não deixa o samba morrer em Budapeste


Descobri há muito tempo que diversão é uma palavra perigosa. E dúbia. Há quem se divirta criando fórmulas no Excel para torneios de futebol que nunca existirão ou lendo biografias de heróis turcos, e não há nada de mal nisso. Há até vantagens, pois no momento em que essas pessoas se deparam com uma situação de diversão, digamos, convencional, a total falta de expectativa torna a experiência muito melhor.


Não cheguei ainda ao ponto de me divertir elaborando fórmulas no Excel, mas estou no nível do cara que lê a biografia do herói turco. Sendo assim, o Carnaval era um dos meus feriados preferidos quando estava no Brasil, porque era quando podia ler ou ver muitos filmes. Já aqui em Portugal, o feriado é apenas na terça e toda aquela animação do Carnaval brasileiro passa bem longe, o que eu adoro e apoio, a não ser pelo fato de não ter tantos dias livres.

No Carnaval de 2014, consegui a segunda-feira de folga e decidi viajar. Seriam quatro dias de "folia" - ênfase nas aspas - numa rota que passaria por Viena, Bratislava e Budapeste, com uma pequena escala, mas suficiente para tomar umas cervejas, em Bruxelas. Na segunda-feira de Carnaval, amanhecemos eu, o Vini, a Fabiana e a Ellen na capital húngara, que é mesmo amarela, Chico Buarque. Nos dois dias anteriores, a diversão tinha sido moderada: um concerto em Viena, umas cervejas na Bratislava e minha câmera perdida no ônibus em direção à terra de Bela Lugosi.

A segunda-feira amanheceu chuvosa e fria. Eu peguei um mapa e tentei encontrar o restaurante indicado pelo hostel para tomarmos o café da manhã, mas me perdi várias vezes naquele emaranhado de listras diagonais e fiz todos andarem em círculos, até que o Vini assumiu a navegação e usou o GPS, que também não ajudou muito, porque acabamos por não encontrar o restaurante. Já famintos, entramos pela primeira porta aberta que vimos e nos alimentamos da maneira devida.

Andamos pela cidade em direção à praça onde encontraríamos os guias do walking tour. Aquele dia de chuva deixou Budapeste ainda mais charmosa e o ar pesado umedeceu os caminhos por onde passávamos. Ao cruzarmos a ponte sobre o Danúbio, era possível ver no horizonte a névoa densa, que dava um tom de mistério à já misteriosa cidade que fala a única língua que o diabo respeita.

Estávamos exaustos da caminhada e precisávamos comer. A guia nos indicou um restaurante e um bar para irmos à noite nos divertir. Essa palavra... Entramos em um ônibus que parecia ter saído direto de um filme sessentista e depois seguimos a rota que dessa vez o GPS do Vini acertou. Jantamos o quanto foi possível entre as tantas paradas para rir de qualquer tolice que um ou outro falava. Na fila do banheiro, um alemão me perguntou de onde éramos e, quando eu respondi "Brasil", ele soltou um "eu sabia!", mas eu não quis entrar na discussão sobre estereótipos.


Do restaurante, fomos ao Szimpla, o tal bar que a guia havia indicado. Segundo ela, era um de vários prédios públicos da época do comunismo que haviam sido abandonados e tempos depois transformados em bares, numa tentativa de revitalização da área. A ideia de "abandonado" estava nítida no acabamento das paredes, do piso, das portas... mas isso não significa que era feio, era - já que o assunto é diversão - descolado. E enorme. Ficamos no térreo, e depois que a Anna chegou, subimos para o 1º andar. De vez em quando passava uma moça com uma bacia cheia de cenouras para vender. Eu disse cenouras. E não era alguém da rua que havia entrado, era do bar mesmo.

Pelas duas da manhã, a Anna teve que ir embora, e pouco depois a parte de cima do bar foi encerrada. Quando descemos, não havia mais cadeiras, só umas mesas altas, onde deixamos os copos de cerveja. E então, para que o fato de estar num bar que era um antigo prédio público da Hungria comunista, onde de vez em quando uma moça passa vendendo cenouras, definitivamente se tornasse supérfluo, o DJ escolhe nada mais, nada menos que aquela música cujo título não sei, mas que a letra diz "Eu tenho a força, Cavaleiros de Jedi, então vai, popozuda, vai". Quais as chances? (A explicação machadianamente irônica do Tammer é que é muito comum ouvirmos o melhor do trash metal húngaro na noite de São Luís do Maranhão).


Depois dessa canção, tocaram vários sambas e outras músicas brasileiras típicas de um Carnval nosso. As meninas começaram a sambar e talvez por isso o DJ tenha se empolgado e tocado sambas até o último égeszégedre da noite, quando um segurança nos mandou embora. Valeu, portanto, correr o risco da diversão, porque essa noite foi, sem dúvida, uma das mais divertidas de sempre, mesmo que eu não estivesse em casa lendo a biografia de algum herói turco.


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