Você venceu, Proust



Alex, você estava certo, eu não vou ler Em busca do tempo perdido. Exponho aqui minha capitulação. Em 1941, quando Hitler consolidou sua invasão à França, ele mandou buscar o vagão de trem onde foi assinada a rendição alemã em 1918 para que no mesmo lugar os franceses assinassem a sua própria, realizando, assim, sua vingança completa, típica de um maluco que destrói seu próprio bigode. Vou imitar o Hitler (tirando toda conotação racista, homofóbica e totalitária que possa haver nessa frase) e assinar minha rendição no mesmo lugar onde tudo começou: na internet.

Foi um pop-up. Um mero pop-up. Ele apareceu "despretensioso" no site do Submarino dizendo piscativamente: "Coleção Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust, em três volumes, por apenas R$59,90". Então eu comprei. Espalhei aos quatro ventos que tinha comprado a coleção por um preço tão baixo e que estava ansioso pra que chegasse logo e eu pudesse ler.

Então chegou o pacote do Submarino. Era maio de 2010. Então, Alex, você profetizou algo que, hoje, eu nem acho tão profético, afinal ninguém nunca lê Em busca do tempo perdido (a não ser o professor de teatro do Ari). Coloquei a coleção na estante e esperei as primeiras férias pra ler. Em julho, férias, peguei o volume 1, composto por "No caminho de Swann" e "À sombra das moças em flor". A Érica folheou e disse: "duvido que tu leia". Eu ri dela, mas uma voz em meu âmago (que eu sufoquei com a petulância) me dizia: "ela tá certa". Julho foi passando e eu não li sequer a introdução do tradutor. Comecei a assistir a uns filmes de uma coleção que eu comprara dois anos antes e me convenci de que o certo era ver esses filmes, afinal já fazia dois anos que estavam lá na estante plastificados, e os livros só fazia um mês. Inadmissível quebrar essa hierarquia.

Então acabou julho. Decidi que as férias de dezembro/janeiro, por serem maiores, seriam ideais para a leitura. Mas já em novembro, quando sobrou um tempo, dei início à leitura. Dicionário do lado, lápis pra marcar as partes mais interessantes e olhos à obra. Nas primeiras páginas, sempre que via algo interessante, eu marcava e até enviava SMS pra algumas pessoas (pra você, Alex, inclusive) com o trecho, só pra me convencer, ou justificar, ou simplesmente dar um tempo naquela leitura, que, já na trigésima página, estava uma chateação só.

Foi então que me deparei com o episódio dos biscoitos madeleine, de que todo mundo fala, inclusive o Vandemberg. O narrador passa umas três páginas, que em outras edições devem tomar cinco ou seis, divagando sobre as lembranças trazidas pela madeleine umedecida no chá. Só aí percebi que todo mundo, inclusive o Vandemberg, só cita essa parte porque só lê até essa parte. Ninguém aguenta passar daí (a não ser o professor de teatro do Ari). Ou o Proust teve uma publicidade muito forte quando lançou o livro ou eu ainda não estou preparado para lê-lo. Os personagens não se movem, não existe ação, é só reflexão, só sensação, não consegui. Você venceu, Proust.

A foto acima é a mesma da lombada do livro, e quando eu cheguei mais ou menos à página 100, eu olhei pra foto e pensei: "Ele deve estar pensando: eu sabia que você não ia ler". E então eu comecei a concordar. Chegou dezembro e eu me condenei o mês inteiro por ter tanto tempo pra ler e não li uma página sequer, em vez disso, jogava Civilization ou então assistia a uns documentários sobre a Segunda Guerra (de onde tirei a informação nazista do primeiro parágrafo). Mas eu até leria outro livro. O problema é que eu tinha uma dívida com a sociedade, comigo, eu disse que ia ler o Proust.

No Pequena Miss Sunshine, o personagem do Steve Carell (a versão ator do Daniel Dutra) é o maior estudioso de Proust dos EUA, e ele diz pro sobrinho: "Eu estudo um cara que ninguém nunca lê". É, nem eu. Alex, Érica, Proust, personagem do Steve Carell, vocês venceram, eu não vou ler Proust dessa vez. Mas os livros estão lá, na estante. Um dia, quando (se) eu tiver uns setenta anos e aquilo fizer sentido pra mim, talvez eu retome a leitura (da página em que eu parei, jamais vou começar de novo).

10 comentários:

  1. Não se culpe por não ter lido Proust. Nem todos leram,ou lerão, como Alex, A comédia humana, ou as obras completas de Shakespeare, ou mesmo o livro de maior influência no mundo ocidental:a Bíblia.
    Isso não significa que Proust,Balzac, Shakespeare, os "autores" anônimos e tantos outros não sejam interessantes. O gosto pessoal direciona muitas das nossas escolhas.Se Proust se mantém no cânone,certamente há genialidade na obra.
    Nem todos gostam de da Vince, apesar de reconhecerem seu valor.

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  2. Eu li o primeiro volume, o do Swam, enquanto me esquivava das aulas de cálculo, assim que entrei no curso de engenharia. Gostei. Mas não espero o fim do curso pra terminar toda busca pelo tempo perdido, dei um prazo da vida toda. :P

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  3. Só pra constar e pra dissipar qualquer rastro de ironia que possa ter passado despercebido por você ao fazer esse comentário, Vandemberg: eu não disse que Proust é ruim, disse que não estava preparado ainda pra ele, assim como um garoto de quinze anos não está preparado para a violência de um Machado de Assis realista. Sobre a Bíblia ser o livro de maior influência no mundo ocidental, só tenho a dizer que o mundo ocidental tá muito mal influenciado.

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  4. Há controvérsias... principalemte em relação a Machado.
    Além disso, sei muito bem que você não acredita que Proust seja ruim. Você é um leitor proficiente, tenho certeza.
    E sabe a que escola Machado pertence ou não pertence. :-)

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  5. Pelo menos você foi vencido pelo Proust. Eu estou sendo vencido pela Ingedore.

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  6. No meu caso estou sendo vencido por mim mesmo. Há dois anos tento concluir um conto de oito páginas. Já desisti cinco vezes e agora teimo em reescrevê-lo. Portanto, se vc ao, contrário do steve carrel aqui, ainda está na primeira derrota, nada lhe impede de tentar vencê-lo novamente. Estragégia: muita paciência e nenhuma(nenhuma mesmo)pressa.

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  7. Só pra ficar registrado: então eu ganhei!

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  8. Se a obra de Proust é conhecida até hoje é porque alguma coisa de boa nela há. Ou será que isso foi uma pegadinha do cânone literário para atormentar a nós, meros leitores?

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  9. Horror da palavra cânone. O que canoniza, santifica. E nem todos esses autores ditos "do cânone" são santos intocáveis.

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