Língua presa

Há um trauma muito grande no Brasil em relação à liberdade de expressão e consequentemente de imprensa, devido aos vários períodos da história em que nosso direito de dizer o que bem entendêssemos foi cerceado. Mas calma aí. Tem gente que exagera. Quando eu digo "gente" eu tô falando, por exemplo, da revista Veja, que, em várias edições, durante 2010, atacou o governo por supostamente limitar a liberdade de imprensa no País, numa frustrada tentativa de manobra anti-Dilma.

Porém, na mesma Veja, um de seus colunistas chegou a comparar o presidente da República a matéria fecal. Tudo bem que acabou essa história de que o presidente é intocável e imune a críticas, mas... opa!, merda não, né. Por mais defeitos que possam ter ocorrido na administração petista e por mais desvios que a própria figura do presidente possa apresentar, comparar a principal autoridade do país, cujo governo chegou a ter mais de 60% de aprovação pela população, a cocô não é usufruir da liberdade de imprensa, é abusar dela.

Recentemente, no dia da prova do Enem, um jornalista não sei de onde conseguiu entrar em um local de prova com um celular, o que em tese não seria permitido. Mas ele entrou com o celular só pra provar que havia falhas na organização da prova. Ok. Há falhas na organização do Enem, o próprio Enem às vezes soa como uma farsa, porque definitivamente não melhora o ensino do país, mas a questão é: só porque eu trabalho na imprensa eu tenho que tornar o que já é complicado mais complicado ainda? Que imprensa é essa que, no lugar de informar o povo, aumenta uma confusão que já é grande o suficiente. Então é pra isso que serve a liberdade de expressão?

Se esse jornalista... jornalista não, porque jornalista mesmo não se presta a um papel como esse... se essa pessoa e a instituição para a qual ela trabalha fossem punidas por tal ato, aí viriam dezenas de pessoas reivindicar o direito de liberdade de imprensa. Aí eu ia levantar uma plaquinha com a palavra Hipocrisia escrita nela. Não é assim que funciona. A liberdade deve existir, mas os abusos devem ser inibidos. Eu não posso dizer o que bem entendo e denegrir a imagem de pessoas ou de instituições escondido atrás de um crachá de um jornal ou de uma revista.

Quando se fala em órgãos reguladores da imprensa ou na própria Lei de Imprensa, pipocam chiliques nos quatro cantos do país. Claro que censura prévia está fora de cogitação, mas deve haver bom-senso (com hífen agora) na hora de saber o limite entre a liberdade e o abuso.

*Imagem: Johannes Gutenberg, o primeiro europeu a utilizar a impressão por tipos móveis.