Cartola, Cartola, 1976


Em 2005, talvez, no Cantinho da Filosofia, a Isabel Brandão levou um vinil ou um CD pro bar e entregou à Lúcia, que pôs pra tocar. Esse vinil ou CD era do Cartola. E essa foi a primeira vez que tive contato com sua música. Mas eu ainda não estava preparado. Depois, em 2006, não me lembro como, eu consegui um CD do Nelson Sargento, que eu ouvia no mesmo Cantinho da Filosofia, mas agora com a Glaucia antes das aulas de francês (e depois também). Muitas das canções desse CD eram do Cartola ou foram gravadas por ele. Então decidi procurar as originais. E foi aí que eu comecei a gostar de samba. Como diria a Isabelle Bedê, “Tu é aquele cara que gosta de rock e que tá amadurecendo, né?”. Não sei se estou amadurecendo, mas abri meu leque de tolerância para outros ritmos a partir do Cartola.

Esse disco de 1976 está no nível espetacular. Não era sequer pra entrar em uma concorrência. Era pra ser Cartola e mais 99. Mas como não sou eu que faço as listas, vou me conformar com o 8º lugar dado a ele e falar das músicas que mais me agradaram. (Você pode me questionar a respeito do fato de eu ter dito que o meu preferido era o Secos & Molhados de 1974, mas não quero ser coerente neste momento).

O disco começa com o clássico “O Mundo É um Moinho”. Conheci essa música na voz do Cazuza, na casa da Carla Anaile. Ouvi em algum lugar que essa música ele fez pra uma mulher muito próxima a ele (filha, talvez) que se tornara prostituta. Depois dessa informação, faz mais sentido ainda os versos “... mal começaste a entender a vida” ou “… em cada esquina cai um pouco tua vida”. Mas pode muito bem servir como a clássica música do cara abandonado pela mulher e que agora se faz de sábio embora esteja morrendo de saudade.

E o tom da maioria das doze canções do disco nos convida a tomar uma cerveja e a nos lembrar de quem nos deixou. “Cordas de Aço” é a melhor tradução da solidão e do lamento que se segue a uma desilusão. Abandonado pela mulher (ou tendo-a abandonado), o eu lírico encontra consolo no violão, então “Na madrugada iremos pra casa/ Cantando...”. O mesmo tom de lamento, embora com um ritmo mais animado, talvez revelando o processo de cura dessa dor, temos a música “Minha”, em que o homem desiludido reclama das cartomantes e das bolas de cristal, cujas previsões já não lhe interessam.

Já em “Não Posso Viver sem Ela”, o homem reclama da “mulher fingida”, mas diz que a perdoa se ela quiser voltar, típico do homem que se faz de forte embora todos nós sejamos aquele esquema Fábio Jr. “Sou homem maduro/ Mas na sua frente/ Pareço um menino...”. Em “Aconteceu”, o melhor é o verso “… revelando a sua impudência”. Além do tema do casal separado em que um deve pedir perdão e o outro se vangloria da posição de “estar certo”, esse verso me lembra o dia em que comentei sobre essa palavra (impudência) com o Rafael Oliveira. Só o fato de ele saber o que ela significa e de nós comentarmos da sofisticação do seu significado já faz com que ele esteja entre as 40 pessoas da caverna. (Sobre a caverna, perguntem ao Gladson).

Escolhi o vídeo de “Peito Vazio” porque os versos “Vou seguir o conselho de amigos/ e garanto que não beberei nunca mais…” são o resultado do que uma dor-de-cotovelo faz com um homem… faz com que ele prometa coisas que, obviamente, não vai cumprir.


Peito Vazio
(Cartola e Elton Medeiros)

Nada consigo fazer
Quando a saudade aperta
Foge-me a inspiração
Sinto a alma deserta
Um vazio se faz em meu peito
E de fato eu sinto
Em meu peito um vazio
Me faltando as tuas carícias
As noites são longas
E eu sinto mais frio.
Procuro afogar no álcool
A tua lembrança
Mas noto que é ridícula
A minha vingança
Vou seguir os conselhos
De amigos
E garanto que não beberei
Nunca mais
E com o tempo
Essa imensa saudade que sinto
Se esvai

FICHA

“O Mundo É Um Moinho” (Cartola)
“Minha” (Cartola)
“Sala de Recepção” (participação: Creusa) (Cartola)
“Não Posso Viver Sem Ela” (Cartola/Bide)
“Preciso Me Encontrar” (Candeia)
“Peito Vazio” (Cartola/Elton Medeiros)
“Aconteceu” (Cartola)
“As Rosas Não Falam” (Cartola)
“Sei Chorar” (Cartola)
“Ensaboa” (participação: Creusa) (Cartola)
“Senhora Tentação” (Silas de Oliveira)
“Cordas de Aço” (Cartola)

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