Quero morrer em um domingo


A lembrança mais antiga que tenho de futebol é a do Cannigia fazendo o gol que eliminou o Brasil da Copa de 1990, na Itália. Depois disso, lembro do meu tio derramando café em mim quando o Corinthians foi campeão brasileiro em dezembro do mesmo ano. E desde então torço pra esse time. Talvez já torcesse antes, mas o que não faz um título? Eu posso dizer que realmente comecei a torcer Corinthians naquele 16 de dezembro, com café derramado e tudo depois do gol do talismã Tupanzinho.

E ontem, 21 anos depois, agora a cerveja substituindo o café, comemorei mais um título, o quinto, num zero a zero tenso contra o Palmeiras, que já deu mais trabalho em épocas passadas, mas hoje só faz barulho. E o dia não poderia ser mais significativo: no momento em que o árbitro da partida apitava o início do jogo, às 17h, era enterrado, em Ribeirão Preto, Sócrates, o Doutor Sócrates, ídolo corintiano dos anos 1980, que usou sua fama com jogador para politizar o povo brasileiro no momento da transição para a democracia, depois de já quase 20 anos de ditadura militar.

Eu não acompanhei a Era Sócrates no Corinthians, portanto minha falta não será do jogador Sócrates, e sim do pensador, que tantas vezes eu vi na TV falando sobre educação, que pra mim é o único meio de salvar uma nação de qualquer mal. Mas não essa educação mercantilizada que nós vemos ao nosso redor, que não prepara o ser humano imaterial, mas a educação pela arte, pelo esporte, pela cultura enfim.

Eu não sou muito de acreditar naquilo que eu não vejo ou toco ou de que não tenho provas, mas às vezes alguns eventos me fazem parar e pensar, e isto é muito bonito pra ser coincidência: eis que, em 1983, Sócrates disse “Quero morrer em um domingo, e com o Corinthians sendo campeão”. Podemos ser prosaicos o suficiente e acreditar que essa frase foi apenas uma coincidência sem significado, mas, como meu time foi campeão e não preciso ser racional neste momento, prefiro acreditar que foi uma profecia mesmo, que tem algo de etéreo, de superior nessa frase, algo que eu não posso ver nem tocar e muito menos desdenhar.

3 comentários:

  1. Belo texto, Filipe. Parei a sangria das correções para apreciar.
    Bela homenagem...

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  2. Minha lembrança mais antiga do futebol é a imagem do Zico mandando a bola nas mãos do goleiro francês na copa do México. Por coincidência Sócrates perdeu semelhante oportunidade naquela tarde maldita e despertei para o futebol com uma lágrima interna, ouvindo a lira dos cinco anos. De fato, Sócrates honrou seu nome com suas polêmicas e boas ideias, assim como Zico que, ainda como jogador defendia um profissionalismo maior no ex-esporte bretão.

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