Acabou Chorare, Novos Baianos, 1972

Eu nasci na época errada. Queria ter visto isso acontecendo, ouvir o violão do comecinho de “Brasil Pandeiro” e a voz da Baby Consuelo e tudo mais ao vivo, mas o que me restou foi o 4shared.com e um CD Maxprint queimado. Eu estava de férias, semana de 21 a 27 de julho de 2011, indo à biblioteca da Uece estudar pro Mestrado, então coloquei o CD no som do carro, e o violão do Moraes Moreira deu o primeiro acorde das próximas cem semanas (ou quase dois anos), seguiu-se então a voz doce da Baby Consuelo. “Brasil Pandeiro” abre o disco. E eu numa onda nacionalista me emocionei quando a percussão entrou no refrão “Brasil, esquentai vossos pandeiros...”. Esses verbos na segunda do plural são ótimos nessas horas.

Elegi “Acabou Chorare” e “Mistério do Planeta” como as duas principais músicas desse disco, pela história que elas contam e pelo contraste que se estabelece entre elas e as outras, que têm mais percussão, são mais irreverentes (“Besta É Tu” a mais delas) e mais “de Carnaval” (nada contra, só não é meu estilo). Essas duas não, eu as considero mais sérias e me fazem refletir: pra mim música é isso. Talvez influenciado pela literatura, me apego à palavra, por isso entendo essas duas como as melhores.

Conheci “Acabou Chorare” pela voz do Arnaldo Antunes, e só depois ouvi a versão na voz do Moraes Moreira. Eu li numa edição da BRAVO!  das 100 canções essenciais da música brasileira (listas!) que o título dessa música tem relação com o jeito que a filha de João Gilberto se referiu a um momento em que a tristeza ou a dor havia acabado. E a música passa essa paz: o violão, a voz, as onomatopeias, os diminutivos se combinam dando a sensação de que não há realmente motivos para chorar.

Já “Mistério do Planeta” eu só ouvi quando baixei o disco. Mas a Érica Calvet já tinha me falado dessa música, principalmente sobre os versos “E pela lei natural dos encontros/Eu deixo e recebo um tanto”. Esses versos são muito significativos. O todo da música eu não consegui interpretar, mas esses versos me dizem muito sobre relacionamento, sobre a renúncia de cada um em uma relação a dois. Segue abaixo o vídeo dessa música e a letra. Percebam no vídeo a mistura do violão de náilon com a guitarra elétrica. Pena que essa espontaneidade, de pessoas tocando ao vivo no quintal (ou jardim), venha-se perdendo, pena que a música brasileira esteja cada vez mais pasteurizada.

Mistério do Planeta

(L. Galvão / M. Moreira)

Vou mostrando como sou

E vou sendo como posso,

Jogando meu corpo no mundo,

Andando por todos os cantos

E pela lei natural dos encontros

Eu deixo e recebo um tanto

E passo aos olhos nus

Ou vestidos de lunetas,

Passado, presente,

Participo sendo o mistério do planeta

O tríplice mistério do "stop"

Que eu passo por e sendo ele

No que fica em cada um,

No que sigo o meu caminho

E no ar que fez e assistiu

Abra um parênteses, não esqueça

Que independente disso

Eu não passo de um malandro,

De um moleque do Brasil

Que peço e dou esmolas,

Mas ando e penso sempre com mais de um,

Por isso ninguém vê minha sacola

FICHA

1. “Brasil Pandeiro” (Assis Valente)

2. “Preta Pretinha” (Luiz Galvão / Moraes Moreira)

3. “Tinindo Trincando” (L. Galvão / M. Moreira)

4. “Swing de Campo Grande” (Paulinho Boca de Cantor / L. Galvão / M. Moreira)

5. “Acabou Chorare” (L. Galvão / M. Moreira)       

6. “Mistério do Planeta” (L. Galvão / M. Moreira)

7. “A Menina Dança” (L. Galvão / M. Moreira)

8. “Besta É Tu” (L. Galvão / Pepeu Gomes / M. Moreira)

9. “Um Bilhete pra Didi” (Jorginho Gomes)

10. “Preta Pretinha (reprise)” (L. Galvão / M. Moreira)