Tropicália ou Panis et Circensis, Vários, 1968


Eu tenho esse CD original. Fim de 2006, Lojas Americanas e aquela cesta enorme cheia de CDs que aparentemente ninguém quer, mas lá estava ele por R$9,90. Durante um mês inteiro eu furei esse CD de tanto ouvi-lo, portanto, na semana dedicada a esse disco, de 28 de julho a 3 de agosto de 2011, ele não surtiu o mesmo efeito e fiquei meio que torcendo pra que a semana acabasse. Não que o disco seja ruim, longe disso, mas queria logo escutar o próximo. Aí você pergunta: então por que você não simplesmente passou pro próximo disco? E aí eu respondo: você não me conhece.

Nas comemorações de 40 anos do disco Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, a revista Bizz lançou uma edição comemorativa em que artistas brasileiros comentavam sobre qual a influência desse disco na música da época e de hoje. Os tropicalistas também beberam nessa fonte. Em 1968 (que ano!), Tropicália ou Panis et Circensis foi lançado e desde a capa já revelava tal influência. O disco é muito curto, não dura nem 40 minutos, mas reúne ninguém menos que Gilberto Gil e Caetano Veloso (os artistas que mais aparecerão nesta lista) e outros faixas-vermelhas da época.

Ao contrário do disco da semana passada, não deu pra escolher só duas músicas pra falar. Das doze que compõem a obra, vou falar aqui de pelo menos sete. Isso porque é muita gente no disco, e muita gente boa, por isso as músicas são muito diferentes umas das outras e a diferença entre elas se mede na mesma proporção da sua qualidade.

A melhor delas (não vou ficar dizendo aqui que é “na minha opinião”, porque o blog é meu e é claro que tudo aqui é minha opinião, a não ser que eu coloque o crédito de outrem)... então, a melhor delas é “Coração Materno”, composta por Vicente Celestino e interpretada por Caetano Veloso. A música é tão linda quanto triste e fala, obviamente, sobre a incondicionalidade do amor materno e também sobre o que os homens são capazes de fazer quando se apaixonam.

Ainda sobre a relação entre mães e filhos, destaco “Mamãe, Coragem”, de Caetano Veloso e Torquato Neto, interpretada pela Gal Costa. Eu lembro que o Gladson Caldas falava muito dessa música quando a Taty França foi embora pro Rio, e acho que todo filho que vai pra longe da mãe e conhece essa música pensa nela. É essa música que vou dizer pra minha mãe escutar quando eu for pra Colômbia, por exemplo. Acho que o Nelson Sena também fez isso. Enfim, clichês musicais.

Mas a música mais tropicalista desse disco é a que dá título a ele, “Panis et Circensis”, composta pelo Caetano e interpretada pelos Mutantes. Os versos “As pessoas na sala de jantar/tão preocupadas em nascer e morrer” traduzem o espírito revolucionário da época (mias uma vez: 1968) e dos tropicalistas. É muito pouco pra nós, seres humanos, preocuparmo-nos com simplesmente nascer e morrer, precisamos de mais, precisamos de desafios, precisamos revolucionar, sempre. Essa música me foi muito útil quando dei aula sobre a Semana de Arte Moderna, ela casa perfeitamente com as idéias da galera de 22. E nesse embalo de revolução, não necessariamente quanto ao conteúdo, mas quanto à forma, entra também “Bat Macumba”, que é um exercício pré-concretista.

Com uma conotação mais política, cito “Parque Industrial”, que critica a mídia. Na semana em que estava escutando o disco, a última de férias, ia todos os dias à Uece pra estudar pro Mestrado em Linguística Aplicada, na linha de pesquisa de Análise do Discurso, especificamente sobre o da revista Veja. Por isso escolhi os seguintes versos como epígrafe da minha futura dissertação: “A revista moralista/Traz uma lista dos pecados da vedete”.

Outra canção muito significativa é “Lindonéia”, de Caetano Veloso, interpretada pela Nara Leão. Já conhecia a música na voz da Fernanda Takai, no disco que ela fez em homenagem à Nara. Essa música me lembra A Hora da Estrela, da Clarice Lispector, acho que há muitas semelhanças entre Lindonéia, personagem da música; e Macabéa, personagem do livro.

Por fim, “Baby”, também do Caetano, e interpretada pela Gal Costa, porque a Maria Bethânia não queria participar de nenhum movimento por medo da Ditadura. Melhor pra Gal, que estreou com essa música e é quem é hoje: A Gal Costa. As rimas meio forçadas e nonsense(piscina, margarina, Carolina, gasolina) contrastam com a voz leve da Gal, com o ritmo gostoso da música e com os vários “Baby, baby, I love you” do final. Abaixo, o vídeo com essa música – dez anos depois da gravação original – e logo após a letra. É interessante como, mesmo nas notas mais agudas, parece que ela não faz esforço algum (vale a pena dar uma conferida na cintura dela também).

Baby
(Caetano Veloso)

Você precisa saber da piscina
Da margarina, da Carolina, da gasolina
Você precisa saber de mim
Baby, baby, eu sei que é assim

Você precisa tomar um sorvete
Na lanchonete, andar com a gente
Me ver de perto
Ouvir aquela canção do Roberto
Baby, baby, há quanto tempo

Você precisa aprender inglês
Precisa aprender o que eu sei
E o que eu não sei mais, e o que eu não sei mais
Não sei comigo vai tudo azul
Contigo vai tudo em paz
Vivemos na melhor cidade
Da América do Sul, da América do Sul
Você precisa, você precisa
Não sei leia na minha camisa
Baby, baby, I love you

FICHA

1. “Miserere Nobis” (Gilberto Gil - Capinan)
2. “Coração Materno” (Vicente Celestino)
3. “Panis et Circencis” (Caetano Veloso - Gilberto Gil)
4. “Lindonéia” (Caetano Veloso)
5. “Parque Industrial” (Tom Zé)
6. “Geléia Geral” (Gilberto Gil - Torquato Neto)
7. “Baby” (Caetano Veloso)
8. “Três Caravelas” (Las Tres Carabelas) (Algueiro Jr. - Moreau; versão em português: João de Barro)
9. “Enquanto Seu Lobo Não Vem” (Caetano Veloso)
10. “Mamãe, Coragem” (Caetano Veloso - Torquato Neto)
11. “Bat Macumba” (Caetano Veloso - Gilberto Gil)
12. Hino ao Senhor do Bonfim" (Artur de Sales - João Antônio Wanderley)

5 comentários:

  1. O disco é todo bom!
    Adorei o post, gostaria de poder fazer uma crítica mais aprofundada, mas gostei do texto, vou deixar passar.. hahaha

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  2. Eu fiz sim. Ouvi com minha mãe enquanto fazia as malas e deixei um disco com essa música pra ela. "Se eu não voltar, escute".

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  3. Conheço "Baby", mas acho que nunca a ouvi toda...
    Conheço "Panis et circensis" na voz da Marisa Monte. Bacana (pelo menos na voz dela, eu adoro).
    E essa "Mamãe, coragem" vou baixar pra ouvir! Fiquei curiosa (claro que é pq fui 'citada nela' rs).

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  4. Esse disco foi um manifesto musical da época e a representatividade dele não tem como postar. Tive acesso a ele através da disponibilidade de seu MP3, se fosse apenas dependendo do cd ou vinil acredito que hoje ele podia ser difícil acesso e apenas comentado em revistas em momentos “cults”. (... sempre fico meio bobo ao escutar algo próximo ao período em que nasci.)

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  5. "Panis et circenses" é de Caetano e Gil,e no começo dos anos 80,as rádios tocavam uma versão muito boa também do "Boca livre".

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