Elis & Tom, Elis Regina e Tom Jobim, 1974


Acho que o Nelson Sena vai parar de ler o blog a partir da próxima frase. Achei esse disco o mais pedante de todos até agora. Estamos falando talvez do principal compositor da MPB e talvez da voz feminina mais marcante de nossa música, mas durante a semana em que escutei esse disco, achei a interpretação da Elis Regina muito pouco natural. O disco é muito bem produzido, cada coisa em seu lugar, mas minha reação foi negativa em relação ao todo.

Não vou falar de “Águas de Março” porque já se falou muito sobre ela.

O tom da maioria das canções é bem suave, explorando muito o piano de Tom Jobim, mas por que é pedante? Porque a Elis Regina pronuncia cada letra de maneira quase irreal. Ela fala roseIra (que nem o Vandemberg Saraiva), como se na vida real a gente pronunciasse esse “i”. Em “Pois é”, cada erre em fim de sílaba levava uma de suas cordas vocais. A música é linda, mas chegam a irritar as minúcias prosódicas de dona Elis. (Ou então eu estava muito sensível.)

Quem assistiu a alguma novela do Manoel Carlos já deve ter ouvido “Triste” (“Triste é viver na solidão/Na dor cruel de uma paixão”). É a típica música no estilo bossa nova, tanto em relação ao ritmo quanto (principalmente) em relação à letra, que está lá só pra Elis Regina ter o que fazer enquanto os músicos demonstram seu talento, principalmente o guitarrista em seu solo. O mesmo vale pra “Corcovado”, inclusive a parte do Manoel Carlos.

“O que Tinha que Ser” e “Por Toda Minha Vida” são as canções corta-pulso do disco. E pra elas vale também a questão do irritante erre reginiano. Ao fundo, o piano de Tom Jobim e um conjunto de cordas, a trilha perfeita para uma novela dirigida pelo Jayme Monjardim. Quando se escuta o violino junto aos versos “Oh! meu bem amado,/Estrela pura aparecida/Eu te amo e te proclamo” dá pra visualizar o close-up da Regina Duarte (também conhecida como Helena) chorando.

No post anterior, falei sobre poemas musicados. O soneto “Triste Bahia”, de Gregório de Matos, foi musicado lindamente pelo Caetano Veloso. Arnaldo Antunes deu mais gravidade ao “Budismo Moderno” de Augusto dos Anjos, com sua voz e seus arranjos. Fagner transformou “Canteiros”, de Cecília Meireles, numa música emocionante. Mas, Tom Jobim, que foi que você fez com o “Soneto de Separação”, do parceiro Vinícius de Moraes? Parece que foi musicado com o mínimo de inspiração possível a um artista. A Elis Regina (com seus erres pedantes) deu um tom mais dramático do que o poema sugere.

Mas esse disco não estaria aqui se não houvesse algo de bom nele. E como há. "Retrato em Branco e Preto" e "Inútil Paisagem", apesar de extremamente melancólicas, são duas canções belíssimas. As duas tratam da resignação pelo amor perdido. A letra de "Retrato em Branco e Preto" é mais densa que a de "Inútil Paisagem", porém esta última, em seu conjunto, merece o meu número 1. A seguir, vídeo e letra.



Inútil Paisagem
(Tom Jobim/Aloysio de Oliveira )

Mas pra que
Pra que tanto céu
Pra que tanto mar,
Pra que
De que serve esta onda que quebra
E o vento da tarde
De que serve a tarde
Inútil paisagem
Pode ser
Que não venhas mais
Que não voltes nunca mais
De que servem as flores que nascem
Pelo caminho
Se o meu caminho
Sozinho é nada
É nada
É nada


FICHA

1. "Águas de Março" (Antonio Carlos Jobim)
2. "Pois É" (Antonio Carlos Jobim / Chico Buarque)
3. "Só Tinha de Ser com Você" (Antonio Carlos Jobim / Aloysio de Oliveira)
4. "Modinha" (Antonio Carlos Jobim / Vinicius de Moraes)
5. "Triste" (Antonio Carlos Jobim)
6. "Corcovado" (Antonio Carlos Jobim)
7. "O Que Tinha de Ser" (Antonio Carlos Jobim / Vinicius de Moraes)
8. "Retrato em Branco e Preto" (Antonio Carlos Jobim / Vinicius de Moraes / Chico Buarque)
9. "Brigas, Nunca Mais" (Antonio Carlos Jobim / Vinicius de Moraes)
10. "Por toda a Minha Vida" (Antonio Carlos Jobim / Vinicius de Moraes)
11. "Fotografia" (Antonio Carlos Jobim)
12. "Soneto de Separação" (Antonio Carlos Jobim / Vinicius de Moraes)
13. "Chovendo na Roseira" (Antonio Carlos Jobim)
14. "Inútil Paisagem" (Antonio Carlos Jobim / Aloysio de Oliveira)

2 comentários:

  1. Esse é o disco da Elis mais elogiado pela crítica especializada.Eu acho que se ela tivesse soltado a voz, teria ficado bem melhor.Quanto aos erres de D.Elis (influência de Ângela maria),não há nada mais lindo e perfeito.

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  2. Apesar desse não ser o meu disco favorito da Elis e nem do Tom,eu acho que você ouviu os dois com má vontade,tipo assim...procurando defeito.

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