O herói fuma


Vivemos a era do politicamente correto. E isso é muito, mas muito chato.

Quando lembro de uma cena d'Os Trapalhões, em que o Mussum entra num bar e prova os uísques, dizendo o ano de cada um, percebo que hoje tudo é muito certinho e que uma cena dessas jamais seria permitida num programa, teoricamente, direcionado ao público infantil.

Admiro-me, às vezes, com o fato de o Pica-Pau, o personagem mais sádico dos desenhos animados, ainda ser exibido. E aí segue uma longa lista, em que se incluem Jerry, de Tom & Jerry; Pernalonga, do Looney Tunes etc. Acho que, por ser desenho animado, ainda sobrevivem. Mas ai deles se algum psicólogo, pedagogo ou quem quer que seja que se ache autorizado perceba que esses desenhos são nocivos às nossas crianças...

O fato é que está tudo muito pasteurizado, muito pseudo-consciente. Não vemos mais anti-heróis. Há uma idealização irritante propagada pela mídia que tenta nos vender uma imagem de que pra ser certo, tem que ser bonzinho, tem que ser certinho. É um retrocesso. Acabou o Romantismo, já superamos isso, pra que retomar?

Fico aliviado quando vejo um Jack Bauer, mesmo que na TV fechada ou depois do Jô Soares; um Dr. House, personagens que retomam essa humanidade que se perdeu ao longo do tempo. Digo humanidade porque humanos são essencialmente falhos, e esses personagens expõem suas falhas, seus vícios, seus deslizes de caráter. Pessoas são como o primo Basílio: no fim, "antes ela do que eu".

Ontem, assistindo a Casablanca e vendo o Humphrey Bogart fumando um cigarro atrás do outro, percebi que os nosso heróis não fumam mais. Eles estão cada vez mais distantes da realidade, porque pessoas de verdade fumam, bebem, mentem, varrem o lixo pra debaixo do tapete... será que estamos sentindo falta de heróis românticos, de príncipes em cavalos brancos?

O Hank, do Caverna do Dragão, está ultrapassado: ninguém é daquele jeito sempre: correto, corajoso, justo. Nós somos o Eric: covardes, medrosos, egoístas, mas com a ternura necessária pra saber que, vez ou outra, é preciso deixar de ir pra casa pra ajudar os amigos a se livrar do Vingador.

Se cultivarmos essa ideia de que o ideal é ser o Hank, sofreremos, porque ele não existe, é platônico. Se a nossa expectativa girar em torno de heróis, seremos, em muitos casos, decepcionados. Melhor é ser o Eric e surpreender quando se passar por herói.

3 comentários:

  1. Mesmo com toda essa idealização de “heróis”, mesmo assim, somos potencialmente mesquinhos e verdadeiramente defeituosos. Apesar de nossos protagonistas não fumarem, e mesmo nós não, ainda temos outros defeitos que se acumulam com o tempo e não são tão percebíveis como os bandidos de antigamente.A projeção de uma realidade utópica se destrói todos os dias assim que tomamos contato com o viver em “sociedade”.

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  2. O Eric só surpreende porque quem tava sendo herói até certo ponto era o Henk, se tivesse todo mundo sendo filhodaputa desde o começo, nao teria surpresa. E se não tivesse os amigos heroicos do Eric pra ele salvar, ele nao ia se sobressair, e esses rompantes de heroísmo nada mais são do que anti-herói tentando ser herói. Os dois são necessários, "tem umas harmonias em que não é bom mexer, tem a hora dos violinos e dos tambores."

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  3. Brother, é por isso que meus dois grandes heróis sempre foram o Wolverine, Homem Aranha e Batman. Hoje, eu adiciono à lista o Dexter (do seriado). Ah, e sem contar o Kevin Arnold.

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